terça-feira, janeiro 31, 2006

O Brasil não vê os pobres de São Paulo?

É visível a existência, no Brasil, de um certo ressentimento contra São Paulo. Os paulistas seriam, afinal, ricos e ainda teriam privilégios oficiais. Uma pesquisa que acaba de ser publicada mostra, porém, que se somarem todos os pobres das regiões metropolitanas de Recife, Salvador e Fortaleza ainda ficariam longe, muito longe, do número de pobres da região metropolitana de São Paulo, com seus 18 milhões de habitantes.De acordo com Sônia Rocha, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), há na região metropolitana de São Paulo 7,5 milhões de pobres; Recife tem 2,1 milhões; Salvador e Fortaleza, 1,6 milhão. Mesmo se somássemos aos nordestinos, todos os pobres da região metropolitana de Belo Horizonte e de Porto Alegre, São Paulo ainda continuaria na frente.O resumo frio da história: em nenhum lugar do Brasil (aliás, da América Latina), uma única região metropolitana tem tantos pobres. E imaginar que se conseguirá reduzir a pobreza sem enfrentar esse batalhão de deserdados é um tremendo equívoco de políticas públicas.A verdade é que, por preconceito e desinformação, o resto do Brasil não vê os pobres de São Paulo e se distorcem políticas de redução da miséria, como se o fosse essencialmente um problema do Nordeste. Aliás, uma boa parte, se não for a maioria, dos carentes do sudeste são nordestinos ou filhos de nordestinos.Está na hora de acabar com essas bobagens. A pobreza não é um problema dessa ou daquela região, mas de todo o país.
Texto de Gilberto Dimenstein - Publicado na Folha de São Paulo de 31/01/2006

segunda-feira, janeiro 30, 2006

Pense na China

Sugestão para um dia em que você não tiver nada com o que se preocupar e estiver até convencido que o mundo pode melhorar, deve melhorar, tem que melhorar. Finja que é agora. Simule otimismo. Imite alguém acreditando no futuro com toda a força. Faça cara de quem não tem dúvidas de que tudo vai dar certo. Convença-se de que tudo vai dar certo. Pronto? Agora pense na China .
Desanimou, certo? É impossível pensar na China e continuar, mesmo em fingimento, despreocupado. Dentro de muito pouco tempo vai acontecer o seguinte: a China vai tornar o resto do mundo supérfluo. Não vai ser preciso existir mais ninguém, de tanto que vai existir a China. O nosso destino é, enquanto a China cresce, irmos ficando cada vez mais desnecessários. Em, o quê? Vinte anos? A China terá o maior parque industrial, com a mão-de-obra mais abundante e portanto mais barata, da Terra, e produzirá de tudo para o maior mercado consumidor da Terra que será qual? O dos chineses, mesmo ganhando pouco. A China concentrará toda a atividade econômica do planeta entre as suas fronteiras. A China se bastará.
Mas não pense que vamos ficar assistindo ao espetáculo da auto-suficiência chinesa da cerca, esperando alguma sobra. Antes de se tornar definitivamente autocapaz a China terá que garantir as fontes da sua energia. O seu inevitável choque com aquele outro sorvedouro de combustível fóssil, os Estados Unidos, pelas últimas reservas de petróleo do mundo pode literalmente nos arrasar. Sugestão para a reflexão antes de dormir esta noite, se você conseguir dormir: o petróleo do Oriente Médio escasseando, dois monstros sedentos cuja sobrevivência depende do petróleo se enfrentando — e nós no meio. Ganhará o confronto final, nuclear ou não, quem tiver mais gente. A China tem muito mais gente do que os Estados Unidos.
Enquanto isto, a Índia... Mas chega. Reanime-se. A vida é boa, há borboletas, os pêssegos estão ótimos e a Copa vem aí. Eu, na verdade, não tenho com o que me preocupar mesmo. Estou a caminho da fase pré-fóssil e não estarei aqui quando tudo isto acontecer. Mas só queria avisar.
Texto de Luis Fernando Verissimo - Publicado no Jornal O Globo de 29/01/2006