sábado, agosto 18, 2007

Encontro marcado com a lucidez

Silvio Tendler era um garoto de 20 anos quando teve contato pela primeira vez com um documentário. Foi em 1970, no Rio de Janeiro, durante a montagem de O país de São Saruê, de Vladimir Carvalho. Tendler não se esquece até hoje do convite feito pelo diretor paraibano. “Ele me perguntou se eu não queria ir para a Paraíba montar no lombo de um jegue e filmar”, lembra. “Aceitei, mas não fui. Na época, eu era um garoto de Copacabana muito classe média, que sonhava com o cinema francês”, confessa.
Hoje, quase quatro décadas depois, o documentarista terá a chance de redimir-se junto ao autor de Barra 68 quando apresentar o filme Encontro com Milton Santos ou o mundo global do lado de cá, destaque na última noite da mostra competitiva do 39º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. “Vejo esse encontro com muita felicidade. O Vladimir é um mestre para mim”, diz.
Projeto maturado há 10 anos, o filme, amparado por título carnavalesco – ou, como prefere o diretor, “alemão” – traz à tona a questão da globalização e suas perversidades, tudo sob a ótica do geógrafo Milton Santos, morto em 2001. Para Tendler, a temática é encarada como uma espécie de panfleto necessário. “A globalização me assustou. Ela tomou conta dos anos 80 e, nos 90, foi uma quebradeira total, com o Collor privatizando tudo. Fiquei perplexo com a rapidez com que as coisas iam acontecendo”, conta. “O filme mostra como a globalização é usada de forma errada, com o poder e a riqueza concentrados nas mãos de poucos. Algo que acontece inclusive com o meio audiovisual”, observa.
Com uma hora e meia de duração e o (pequeno) orçamento de R$ 800 mil, Encontro com Milton Santos nasceu do acaso. Mais precisamente no meio de um outro trabalho – um documentário sobre o geógrafo Josué de Castro, em 1995. “Era um projeto produzido pela família do Josué, no qual eu tinha que entrevistar várias pessoas. Entre elas, estava o professor Milton Santos, um dos nomes mais importantes da geografia naquele momento”, explica o diretor, que viajou até Paris para o primeiro encontro. “Ele foi de uma clareza, de uma lucidez assustadora sobre vários assuntos. Fiquei tão fascinado que combinei de fazermos algo juntos no futuro”, conta.
Atarefados com vários projetos, os dois acabariam adiando o novo encontro. Mas um imprevisto acelerou o processo. “Em 2000, fiquei sabendo que ele estava doente e de repente vi o cavalo encilhado passar na minha frente. Percebi que a chance era aquela, até porque ele era o intelectual que se destacava sobre o tema da globalização”, recorda Tendler, que marcou um novo contato cara a cara para janeiro do ano seguinte, na Universidade de São Paulo (USP). “Foi a última entrevista – ele morreria três meses depois – e a mais difícil da minha vida porque era um depoimento fantástico. O Milton sempre foi bastante formal, mas dessa vez ele apareceu completamente descontraído. Esqueceu a doença por algumas horas”, revela. (http://divirta-se.correioweb.com.br/)