Segue um texto de Michel Foucault publicado em 1985 na Folha de São Paulo, portanto com mais de 20 anos de idade, mas cuja inteligência permanece intocada
A perseguição é mais ou menos como o amor: não precisa de reciprocidade para ser verídica. A perseguição, creio, não consiste em ter perseguidores mas, antes, em ser perseguido. Experiência irredutível e autônoma, no sentido de que prescinde muito bem dos outros. No fundo, não precisamos dos outros para sermos perseguidos. Claro, o rosto de outrem se contrai, os outros estão extremamente próximos, sem nenhuma distância, iminentes, debruçados sobre suas vítimas. E, no entanto, na experiência da perseguição, não é isso o essencial. Ser perseguido é ter uma certa relação com a linguagem. É não poder usar a primeira pessoa, não poder dizer eu, sem sentir esse eu como aberto, como fraturado pelos outros, por eles, por todos esses eles que me cercam. Ser perseguido é não poder falar sem que essa fala escape àquele que fala, fuja ao seu controle e, girando ao redor de si mesma, se volte contra ele, pronunciada agora por um outro, pelos outros. Ser perseguido é falar num mundo absolutamente silencioso, onde ninguém, onde ninguém responde; mas, inversamente, logo que paramos de falar e nos empenhamos um pouco em ouvir, escutamos nossas próprias palavras, refluindo até nós, confiscadas pelos outros, metamorfoseadas e, agora, hostis e letais. O perseguido ouve o silêncio do mundo — mas um silêncio todo murmurante de palavras que são o avesso de sua própria linguagem.
Fragmento radiofônico, transcrito de uma emissão da "France Culture" de 30/6/84 e traduzido por MICHEL LAHUD. Publicado na Folha de S.Paulo, domingo, 21 de abril de 1985
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